sexta-feira, 30 de abril de 2010

TORTURA NUNCA MAIS - CAMPANHA DILMA ROUSSEF‏

DIREITOS HUMANOS

Na manhã do dia 27 de agosto de 1993, no Recife – cidade onde, em 1964, o líder comunista Gregório Bezerra foi amarrado e arrastado pelas ruas, enquanto era espancado a coronhadas por um oficial do Exército -, foi inaugurado o primeiro monumento para homenagear as vítimas da repressão militar nos anos 60 e 70 no Brasil. Nome do monumento: Tortura Nunca Mais.
A perspectiva do eterno retorno traz consigo terríveis conseqüências existenciais: se tudo está fadado a se repetir até o fim dos tempos, qual o sentido das nossas ações?
É aqui que se insinua na nossa reflexão um complicador a mais: melhor seria, para nosso próprio conforto ideológico, que nos deparássemos apenas com a simples oposição de um Estado torturador contra a sociedade civil de “torturáveis”. Infelizmente não é tão simples assim. Em países como o Brasil, boa parte da opinião pública – o que aliás inclui os próprios “torturáveis” – convive pacificamente com a idéia de que a polícia pode prender e bater em delinqüentes, malandros, suspeitos etc.,provenientes das classes populares. Isso, por mais politicamente desconfortável que seja admiti-lo, faz parte da nossa cultura, integra o nosso senso comum. Antes que os militantes de esquerda tivessem descoberto a questão da tortura a partir de sua própria experiência nos porões do regime, a música popular já registrava maus tratos contra favelados como a coisa mais natural do mundo. Em 1964 – ano emblemático -, no célebre show Opinião, uma música de Zé Kéti, incorporando a fala de um desses cidadãos, dizia:

Podem me prender
Podem me bater
Podem até deixar-me sem comer
Que eu não mudo de opinião
Daqui do morro
Eu não saio, não.

O que mais me chama a atenção no verso “podem me bater” não é o seu realismo, é a sua naturalidade, com a qual, certa feita, eu próprio me defrontei, num episódio que vale a pena ser contado. Há alguns anos, passando em frente a uma loja de roupas, notei uma grande confusão, como se algo de grave tivesse acontecido no seu interior. Perguntei a um dos balconistas o que era, e fui informado de que um ladrão tinha sido pego e o tinham prendido no banheiro. “À espera da polícia?”, perguntei. “Não”, respondeu o balconista. E explicou: “O ladrão é recruta do Exército, e a polícia não pode bater”. E isso dito sem nenhum espanto, como se fosse absolutamente natural que o ladrão, pelo seu delito, fosse passível da pena de espancamento. Só que, por ser recruta do Exército, tinha direito a um regime especial...
A música de Zé Kéti é de antes do AI-5, e o meu testemunho aconteceu anos depois de sua revogação, como também depois da Lei de Anistia, da volta dos exilados, da liberdade de imprensa etc.
Como já sabemos ata monotonamente, tais elementos são as iníquas estruturas sociais brasileiras que, fundadas na época das Colônias, atravessaram incólumes os dois Impérios e as várias Repúblicas que temos tido. Ao modo de produção escravagista, vigente durante cinco séculos, sucede um capitalismo sem preocupações sociais e uma democracia de poucos cidadãos. A pobreza, a miséria e a submissão das massas asseguraram a continuidade de uma estrutura que permanece subterrânea, minando as perspectivas de mudança das várias rupturas de aparência verificadas nos últimos cem anos.
Nada exemplifica melhor essa permanência do que a continuidade existente entre os “castigos físicos” que qualquer capitão do mato aplicava aos negros fujões e as torturas ( às vezes chamadas eufemisticamente de “maus tratos”) que qualquer comissário de polícia aplica ainda hoje, sem maiores conseqüências, a qualquer ladrão pé de chinelo.
(...) No ano de 1992, só no Rio de Janeiro, foram assassinados 424 crianças e adolescentes (Veja, 28.7.93), número que ultrapassa com folga os 325 “subversivos” executados durante todo o regime militar.
(...) O número parece inacreditável, mas a fonte é fidedigna: trata-se do jornalista Caco Barcellos, autor do livro Rota 66, um detalhado e cuidadoso que tem um subtítulo bem apropriado: A história da polícia que mata. (...) na história das guerras, de confrontos com uma desproporção tão grande entre as baixas de cada um dos lados: 97 civis mortos para cada policial morto (Barcellos,1992, p.259). Além disso, os estudiosos da guerra constatam que a troca de tiros entre dois grupos armados sempre resulta num número de feridos bem superior ao de vítimas fatais. Na “guerra” da PM de São Paulo contra o banditismo, os números dos tiroteios apresentam a assustadora marca de 265 mortos para cada ferido! (idem. p. 119)
A Lei de Anistia, votada em agosto de 1979, possibilitou a volta dos exilados e a libertação dos prisioneiros políticos. Nesse mesmo ano, um dos maiores sucessos de Gilberto Gil, a comovente “Não chores mais”, traduzia no plano da poesia o sentimento geral de alívio e as esperanças de um novo começo:

Amigos presos, amigos sumindo, assim
Pra nunca mais
Tais recordações
Retratos do mal em si
Melhor é deixar pra trás.

Em julho de 1979, no exato momento em que no Congresso se discutia a Lei de Anistia, promulgada com pompa e circunstância no mês, um delegado de policia, numa reportagem da revista Veja sobre a tortura policial comum, dava o seguinte depoimento:
Existe uma pressão da própria sociedade para que a polícia
pratique a violência. Essa pressão é mais nítida nos casos de crime
contra o patrimônio: a vítima não se satisfaz apenas com a elucidacão do crime contra o patrimônio: ...
Sabemos que esse depoimento constitui uma mera defesa em causa própria,.... Ainda mais recente, um velho reporte paulista aposentado criticava os novos jornalistas que dão ouvidos ao que dizem “esses ai que defende os Direitos Humanos”, e do alto de seus 65 anos de experiência como repórter policial, ensinava: “Todo bandido diz que nunca fez nada”. Por isso recomendava o uso da tortura: “Quando um preso não quer confessar um crime, tem de ser submetido a um método corretivo, ou seja, deve apanhar” (Jornal do Comercio).
A forte disseminação de idéias desse tipo no meio popular explica por que, na década de 1980, quanto mais os anos passam, mais os grupos de defesa dos direitos humanos se vêem confrontados com a embaraçosa acusação de serem “defensores de bandidos”.
Felizmente o efeito civilizatório do tempo ajudou a que as consciências se modificassem e passassem a interagir com a realidade. Diferentemente do passado recente há uma indignação geral reproduzida pela mídia em relação a torturas e mortes registradas notadamente nas periferias das cidades. Isso ainda é pouco. O volume de ocorrências desse tipo continua grande em relação à revolta popular. Cabe ressaltar, contudo, que a consciência de oposição à tortura evoluiu na sociedade.
Mas, se isso é verdade em relação às ocorrências policiais em geral não se poide afirmar o mesmo em relação aos movimentos sociais. Há um clamor surdo em relação à criminalização dos movimentos sociais, especialmente aqueles relacionados com a disputa pela propriedade da terra...
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra contabiliza inúmeros processos contra seus ativistas e militantes. Os advogados do MST se deparam com acusações de crimes comuns contra a atividade política de pessoas que querem somente debater a realidade pornográfica da concentração de terras nas mãos de poucos em nosso país.
Os militantes e ativistas do MST são chamados de criminosos exatamente porque não é simples lhes tirar a razão se o debate for feito no terreno da disputa de idéias. Em contraposição às ocupações de terras incentivadas e promovidas pelo MST para a produção e o sustento de famílias inteiras, os acusadores defendem a invasão de terras públicas por parte de empresas e conglomerados empresariais.
Não há, salvo raríssimas exceções, a defesa ideológica do direito de propriedade, em essência criminosa. O que acontece, em geral, é a criminalização dos movimentos sociais, de modo a mascarar o debate e qualificar como criminosos os defensores da ampliação da justiça social na distribuição das terras agricultáveis.
No meio urbano o debate não é diferente. Nos recentes acontecimentos que vitimaram fatalmente centenas de pessoas depois de fortes chuvas, o comentário da mídia teve a tendência criminosa de acusar e condenar as vítimas da tragédia como culpados. Não houve palavra ou pronunciamento sobre a ação criminosa da especulação imobiliária ou da concessão de alvarás a loteamentos localizados em áreas de risco.
Os poderes públicos devem socorrer as vítimas e prevenir a ocorrência de novas tragédias. Também é correta a providência de ampliação da oferta de imóveis destinados a atender a demanda causada pelo déficit habitacional. No entanto isso não é suficiente. Na contrapartida da criminalização dos movimentos sociais deve acontecer a apuração e a punição dos promotores de tragédias semelhantes às ocorridas recentemente, ou seja, aos loteadores e aos órgãos públicos que autorizam loteamentos em áreas de risco.
Esse é um debate que já começamos mais nós do PT temos que levar esse debate para a sociedade com essa consciência de que os “torturáveis somos nós os trabalhadores” que estão lutando pelos seus direitos de cidadãos. Que esse não seja privilegio de alguns como o juiz que matou o rapaz dentro de uma loja de conveniência, ou o médico que abusou sexualmente de mulheres no seu consultório, os policiais que mataram o moto boy. Principalmente tendo uma candidata a Presidente da República que já passou pela tortura e deve defender o fim desses aparelhos que ainda existe nas delegacias, e na educação dos policiais, na “cultura” deformada de “pseudo representantes da ordem democrática”.

Angela Paula – PT Capela do Socorro - PT Nacional

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